quarta-feira, outubro 09, 2013

Riscos e Oportunidades no Teatro Político

Por Jefferson Milton Marinho*

Políticos deveriam ser banqueiros, pois geralmente são avessos ao risco. Ambos preferem maximizar o retorno com o menor nível de risco. A história mostra que banqueiros são mais displicentes, aceitando níveis de risco elevadíssimos quando o retorno é muito alto. Parte dessa predisposição ao risco se refere ao fato de administrarem capitais de terceiros. O político administra a própria carreira eleitoral, ou seja, capital próprio. Como falhas no sistema bancário produzem altos custos sociais, a regulação busca mitigá-las, coibindo práticas oportunísticas. Políticos protegem os espaços conquistados, preferem manter as regras que os consagraram à mudança repentina, e avançam no terreno do adversário mais como estratégia de autodefesa que propriamente o ataque. A conclusão é que políticos são menos propensos aos riscos que os banqueiros. O desenho ideal pode sugerir que devessem trocar de posição.

No mundo político o xadrez é complexo, com sutilezas e artimanhas, conversas ao pé do ouvido, cochichos, ameaças e recuos. O imponderável pode mudar o tabuleiro político, redefinindo as cartas do jogo e o planejamento tático. Sempre haverá espaço para o lance genial e inesperado do ator político e a versão tem maior valia que os fatos, distanciando-se ou não da realidade. É nesse contexto que deve ser analisado o casamento de Marina Silva, da Rede de Sustentabilidade, e Eduardo Campos, do PSB.

Uma análise preliminar indica que Campos sobe de patamar na disputa eleitoral, ganhando musculatura e densidade política, enquanto Marina buscou uma estratégia de redução de danos, cujos os resultados para ela são incertos. A condição de coadjuvante não é animadora para a candidata que está em segundo lugar nas pesquisas. O tucano Aécio é o grande perdedor desse novo desenho eleitoral, pois assiste de camorote a tacada do quarto colocado nas pesquisas atraindo a principal noiva, Marina Silva, para o ninho do socialismo liberal. Dilma enfrenta o dilema de assistir à formação de uma chapa com capacidade de agregação, acumulando forças e apoio para a contenda. Mas, analisando por outra perspectiva, Dilma disputará as eleições num cenário com apenas dois candidatos adversários, quando poderia estar disputando contra três se a escolha de Marina Silva fosse outra. Isso potencialmente eleva suas chances de liquidar a fatura no primeiro turno.

A análise acima é simplista, pois é impossível nesse instante captar todos os efeitos da aliança política entre dois atores que saíram das costelas do lulismo, ameaçando concretizar o pior sonho da oposição tradicional brasileira: a profecia de André Singer quanto ao poder se transferir para uma nova oposição saída do lulismo. O novo cenário envolve maiores riscos para todos os principais atores, de todas as matizes e cores partidárias, inclusive para Eduardo Campos que, no primeiro momento, aparece como vitorioso. Em contrapartida, as oportunidades cresceram para a oposição e situação na medida do maior risco.

Nas eleições de 2014, Dilma poderá ser confrontada da esquerda à direita política, considerando os adversários, sempre com algum grau de eficiência e densidade. O risco de Dilma é perder o apoio no campo mais à esquerda com a ascensão da dupla Campos-Marina, desiludidos com os rumos do governo, seja pela caótica relação congressual ou pelos anseios de avanços mais velozes no campo do social. O centro político, menos homogêneo e de maior densidade, está muito instável e gelatinoso, causando insegurança para os candidatos que desejam conquistá-lo. No campo da direita do espectro político, Aécio deverá ocupar parte maior do espaço, mas a candidatura Campos-Marina disputará nacos de audiência.

Aécio Neves está com grande dificuldade de consolidar sua candidatura. Parte dos problemas surge porque seu banco de reservas (José Serra) funciona como freio, na expectativa de ocupar o lugar principal. Mesmo após consolidar o apoio interno à sua candidatura, a mudança de cenário eleitoral teima em recolocar o nome de Serra na disputa. O risco dele é Campos deixar de ser mero coadjuvante, crescendo a ponto de deslocá-lo de um eventual segundo turno. Ademais, as dificuldades que seu grupo político tem para a continuidade no seu colégio eleitoral, Minas Gerais, é outro fator que pesa contra sua candidatura presidencial. Se o pior cenário prevalecer, o PSDB pode perder o controle do governo de Minas Gerais e ser deslocado da segunda força política na eleição nacional. Isso seria mortal para as pretensões futuras do presidenciável tucano.

Marina Silva é noiva cobiçada que casou com o herdeiro político do clã Arraes, Eduardo Campos. É um casamento de conveniência, pragmático. A barbeiragem de não conseguir formar seu partido, a Rede de Sustentabilidade, pode lhe custar caro. A estratégia adotada é de redução de danos. Dentre as opções que estavam disponíveis não há clareza se era a melhor. Entrevistas recentes mostraram que pesou na sua decisão o desejo de derrotar o petismo, rompendo o cordão umbilical que unia sua história à do PT. Com sua decisão de filiar e emprestar seu capital político ao PSB, partido de alianças heterodoxas e forte tendência governista que reproduz o estilo do peemedebismo, Marina coloca em risco o sonho de construção da REDE afastada das velhas práticas políticas, e deve perder apoio entre seus seguidores mais programáticos. Sob o risco de virar pesadelo, o sonho dos marinistas não acabou, mas pode criar uma cicatriz que explicite precocemente as diferenças que circundam em tornam deste projeto político.

Nunca ficou tão claro que não se faz omelete sem quebrar alguns ovos. O esforço de Marina para explicar a aliança não deve ser suficiente para manter “sonháticos” unidos, principalmente pelas contradições que o projeto do socialismo liberal do PSB representa. É assustador que Marina Silva se filie, mesmo que temporariamente, a um partido que, majoritariamente, votaram a favor do novo texto do Código Florestal execrado pela ex-senadora sob a alegação de que provocaria mais desmatamento. O DNA do PSB é o desenvolvimentismo, ainda que sob a batuta liberal, o que está na contramão da agenda ambiental marinista.

Campos, neto do grande líder popular nordestino Miguel Arraes, engrandece com o apoio de Marina, como observou Lula. O momento político é dele, é sua hora de brilhar, de exercer com sabedoria os benefícios da sorte, buscando ampliá-los. O político precisa de sorte, mas também de virtude, já lembrou o italiano Maquiavel. Nesta sua trajetória, não lhe faltou virtudes ou, no jargão menos favorável, esperteza política. Os passos que separam o momento atual das eleições de outubro do próximo ano exigirão provavelmente mais virtudes, pois sua cota de sorte pode estar com prazo vencido.

O primeiro desafio de Campos é manter coesa a aliança, agregando apoios, sem provocar muitas defecções. Não será tarefa fácil, são visíveis os sinais de descontentamento de parceiros políticos à esquerda e à direita, tanto dos apoiadores de Marina Silva quanto de Eduardo Campos. O segundo é manter o partido em crescimento, elevando o número de governadores e, principalmente, de deputados e senadores. Outra tarefa que pode se mostrar difícil, uma vez que o segredo do crescimento do PSB é sua flexibilidade, a possibilidade de apoiar e ser apoiado por qualquer coloração partidária. A entrada de Marina Silva no condomínio socialista potencialmente reduz o arco de alianças, devendo fragilizar os palanques estaduais, pois sofrerá resistências das principais forças políticas (PT e PSDB, por exemplo).

Assim, o risco é o PSB sair das eleições de 2014 com peso menor na cena política do que outrora, principalmente se a estrela de Eduardo Campos não brilhar ou não for capaz de catalizar aumento de bancadas. Em 2010, Marina Silva saiu das eleições no terceiro lugar, com 20 milhões de votos, porém, o PV não experimentou aumento na sua bancada federal. Ademais, em Pernambuco surgem sinais de fadiga material, e mesmo que Campos possa encontrar um candidato favorito para substituí-lo, a aliança PT e PTB ameaça seu quintal político.

São dúvidas que o calendário eleitoral impõe com o fim das filiações para a disputa eleitoral. No fim de março, o calendário eleitoral traz novo cenário com a descompatibilização de cargos públicos (ministros, secretários estaduais, governadores no segundo mandato, etc.) para participar das eleições. Certezas são poucas ou quase inexistentes, ficando lacunas que serão respondidas somente na eleição. Qualquer prognóstico é apressado, a conjuntura é alterada pelos movimentos dos atores políticos, e, principalmente, por fatores da realidade objetiva que se impõe, e são muitas vezes imprevisíveis. As nuvens da política tem se deslocado mais velozmente, surpreendendo analistas e operadores políticos. Cada movimento das nuvens traz novos riscos e oportunidades, ganhadores e perdedores.

* Economista e servidor público federal