sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Gastos com cartão corporativo derrubam ministra Matilde Ribeiro

Na tarde desta sexta-feira a ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) anunciou seu desligamento do governo em entrevista coletiva, após reunir-se com o presidente Lula. O desgaste da ministra tornou-se politicamente incômodo assim que a imprensa publicou seus gastos com cartões corporativos referentes ao ano de 2007. O destaque ficou por conta do pagamento indevido de uma fatura em free shopping e gastos supostamente excessivos com aluguéis de carros. Destaque que entre os ministros que utilizam o cartão, a ministra é recordista nas despesas, somando-se mais de R$ 171 mil.

A ministra assumiu o erro pelo uso incorreto dos cartões corporativos, porém argumentou ter sido mal orientada por dois servidores, que já estariam demitidos. Matilde Ribeiro também disse não estar “arrependida”. Ela leu a carta de demissão entregue ao presidente Lula e respondeu a perguntas dos jornalistas.

Importante é que a demissão da ministra sirva para orientar o governo a tomar medidas eficazes que permitam maior controle dos gastos com cartões corporativos. Por outro lado, espera-se que o governo não recue na sua política de inclusão social e promoção da igualdade racial. Conforme já dito em outros dois artigos, os cartões corporativos conferem maior transparência que a simples entrega de dinheiro para comprovação por meio de notas fiscais e outros papéis. Por outro lado, esse caso mostra o papel do sítio Portal da Transparência para que a sociedade possa acompanhar a aplicação do dinheiro público.



Leia a íntegra da carta de demissão da ministra:



Carta da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ao presidente Lula

“Excelentíssimo Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Foi importantíssima para a história do Brasil Vossa decisão de criar a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em resposta à demanda do movimento negro. A necessidade se justifica ante a realidade brasileira, que é de ter vivido um período de mais de 300 anos de escravidão e apenas 120 anos da abolição, sem que a população negra tenha efetivo acesso à cidadania, bens e serviços. Também incluindo os indígenas, os ciganos, os árabes e palestinos.

É extremamente importante que o Brasil reconheça a necessidade de pagamento da dívida histórica que tem para com os negros e negras, praticamente 50% da população. Sabemos que o caminho para isso é a política pública com inclusão social.

Agradeço a confiança em mim depositada, a considerar a construção de caminhos para a superação do racismo e para a inclusão social e racial. Foram cinco anos de árduo trabalho, muito diálogo e dedicação junto às estruturas governamentais e não governamentais. Efetivamente me entreguei a essa difícil tarefa, sem preocupação com ganhos pessoais.

Considerando a pequena estrutura da Seppir, fiz vários exercícios e formatações internas, para dar conta desse órgão que necessita cada vez mais de aprimoramento de gestão, técnico e político. Isso se faz necessário para o cumprimento da missão do órgão e a garantia dos princípios da transversalidade junto ao governo federal e a gestão democrática junto aos movimentos sociais.

A agenda de trabalho dessa Secretaria é bastante complexa, exigindo as relações institucionais e também contatos miúdos e contínuos com pessoas, movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições públicas e privadas. Por isso, há um número significativo de atividades fora de Brasília, não havendo estrutura descentralizada. Informo ainda que a agenda externa intensifica-se em meses que têm datas comemorativas alusivas à igualdade racial.

São inúmeros os desafios colocados para o desenvolvimento dessa política, do ponto de vista logístico, organizacional, técnico e político. Porém, o desafio mais forte é o “convencimento” da sociedade da necessidade de superar o racismo, tendo como um dos principais caminhos as ações afirmativas como, por exemplo, as cotas nas universidades e as políticas em quilombos.

Tendo como único interesse viabilizar as ações necessárias para o desenvolvimento do trabalho, assumo o erro administrativo no uso do Cartão de Pagamento do Governo Federal.

Os fatos que me levaram a essa escolha partiram das dificuldades com deslocamentos e hospedagem fora de Brasília. Em julho de 2006, fui orientada pela minha assessoria a utilizar o Cartão de Pagamento do Governo Federal (a partir do dia 18) concentrado em três modalidades: hospedagem, alimentação e locação de veículos.

Quanto ao uso desse Cartão, reitero que se trata de um erro administrativo que pode e deve ser corrigido.

A minha vida pessoal sempre foi pautada pela honestidade, responsabilidade, busca de aprofundamento de conhecimento e, acima de tudo (há 20 anos), pelo investimento em ações políticas coletivas junto ao Partido dos Trabalhadores, movimento negro e movimento feminista.

Quanto à política de igualdade racial, nos cinco anos de existência dessa Secretaria foi possível realizar ações importantes, assim como preparar gestores e servidores para a atuação nas políticas públicas. Muito ainda resta ser feito, como constatamos no planejamento de 2008/2010. Portanto, não me resta dúvida da necessidade de continuidade desse processo, com as devidas adequações.

Diante dos fatos, que estão ainda em avaliação, mas sabedora da implicação administrativa, solicito o meu desligamento desse governo, colocando-me ainda à disposição para as tratativas que se fizerem necessárias.


Matilde Ribeiro
1º de fevereiro de 2008”

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