sábado, dezembro 22, 2007

A indignação é sempre seletiva

É preciso tomar cuidado com os indignados, que estão sempre dispostos a transformarem comoção em fato político de primeira grandeza. A origem da indignação geralmente extrapola o fato em si, recheando-se de sentimentos menos nobres como “ódio” ou pura raiva. Só Freud poderia explicar tanta indignação, mesmo em situações que podem gerar comoções. Interessante é que muitos dos indignados não conseguem nem se comoverem com situações cruéis, por estarem ocupados em aproveitar o momento para marcar posição frente ao adversário em sua trincheira política. A raiva e o ódio estão fora de moda na política. Perderam o charme, e não é mais funcional. Talvez isso explique porque apenas segmentos da direita mais conservadora e da esquerda radical teimam em cultivar tais sentimentos no ambiente político. São segmentos que perdem todas a eleições. Não vou discorrer sobre isso, mas sabe-se que o eleitor médio (que não se enquadra nos dois estereótipos) vence todas as eleições.
Fiz essa introdução para falar de duas matérias que saíram na imprensa igualmente comoventes: (1) a prisão de uma jovem menor de idade na cela com homens no Pará; e (2) o assassinato sob tortura de um jovem de 15 anos cometido por seis militares policiais de São Paulo. E confesso que fiquei comovido, não indignado. Não posso ficar indignado com acontecimentos que em certa medida já seriam do meu conhecimento (e da sociedade brasileira também). Sabe-se o bastante acerca das atrocidades cometidas por policiais e outras autoridades (inclusive o Judiciário) encarregadas de dar proteção à vida e à integridade física das pessoas sob sua guarda. Se eu tiver que ficar indignado, não preciso de notícia nova na imprensa. Os fatos por si só seriam suficientes.
Em relatório das Organizações das Nações Unidas (ONU), os presídios brasileiros foram classificados como uma verdadeira “praga”, e apontou a existência de “torturas sistemáticas” nas cadeias brasileiras. Segundo a maior autoridade de Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour, é muito comum os abusos contras as mulheres nas prisões brasileiras e contam com a cumplicidade de policiais. São situações encontradas em todos os Estados e independem de coloração partidária. Portanto, tortura e abusos contra as mulheres seriam também do conhecimento de autoridades internacionais. No caso do Pará, o abuso teve como agravante o fato de ser contra uma menor.
O que me chama atenção é que os dois episódios são igualmente comoventes, mas apenas o primeiro causou indignação. Ninguém ficou indignado com o fato de um jovem de 15 anos, indefeso, ser torturado até a morte por policiais numa delegacia pública de São Paulo. A Folha de São Paulo, o Estadão e O Globo não ficaram indignados. O Jornal Nacional não achou que essa era uma matéria digna de passar no horário nobre. Os concorrentes do Jornal Nacional também não deram qualquer importância. Nenhum ilustre deputado ou senador pediu a abertura de CPI. Nem mesmo o delegado responsável foi demitido. Provavelmente o governador Serra nem ficou sabendo, e não tem qualquer responsabilidade política sobre o ocorrido.
É por essas e outras que desconfio dos indignados. Como eles não declaram publicamente o critério de escolha que os levam à indignação, não me sinto confortável em aderir à onda. Imagino que tenham uma causa, algum motivo oculto. Com certeza tenho algumas hipóteses para justificar a “pretensa indignação”. Como não gosto de ficar falando “em tese”, nem vou discorrer sobre minhas hipóteses. O importante é observar que a indignação é sempre seletiva. Ela protege os mesmos personagens. E descarrega sentimentos de “ódio” ou raiva numa só direção. É como o samba de uma nota só.

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